quarta-feira, 7 de julho de 2010
Residência M. Marcondes / 1966 Ribeirão Preto / São Paulo
terça-feira, 29 de junho de 2010
Projeto Básico e Contratação de obra Pública
São Paulo, 14 de novembro de 2009.
Acompanhando os últimos acontecimentos relativos a desmoronamentos ocorridos em obras públicas, tais como, rodoanel, fura-fila, metrô, etc. gostaria de acrescentar um aspecto que não tem sido abordado pelas matérias jornalísticas.
Trata-se do processo de contratação de obras públicas, contratadas a partir do que nós, técnicos do ramo, chamamos de "projeto básico".
Acredito que seria necessário refletirmos sobre o que vem a ser "projeto básico". Na área da arquitetura "projeto básico" é compreendido como uma das primeiras etapas do projeto e é elaborado somente quando se trata de obra pública, posto que, no Brasil contratam-se obras públicas a partir de "estimativa de custo e prazo de execução" (vide manual da ASBEA)*.
Trata-se de um projeto incompleto que deveria ser sucedido por um projeto executivo contendo todo o detalhamento necessário para a boa execução das obras. Infelizmente, essa complementação fica sob responsabilidade da empresa contratada para sua execução.
O processo de contratação de obras a partir do "projeto básico" é, de fato, a causa destes desvios ocorridos em obras públicas. É interessante notar que o capital privado jamais contrata a partir do "projeto básico", não porque a gestão privada seja melhor que a gestão pública, mas sim, porque a gestão pública depende de legislação antiquada e muito conveniente aos empreiteiros.
Arte, técnica e mercado: o trabalho do arquiteto.
Arte, técnica e mercado: o trabalho do arquiteto.
Trabalho apresentado no
VI CONGRESSO da ALAST – Asociación Latinoamericana de Sociología del Trabajo
Prof. Dr. Francisco Segnini Jr
RESUMO
Este trabalho analisa as novas formas de organização do trabalho do arquiteto num contexto de difusão e consolidação dos instrumentos eletrônicos na produção do projeto arquitetônico, entendendo a arquitetura como produto de tensões entre arte, técnica e mercado. O objeto da pesquisa foi elaborado a partir de depoimentos e entrevistas, num primeiro momento junto a 206 arquitetos selecionados em 91 exemplares da Revista AU – Arquitetura e Urbanismo, no período de
Introdução
A tensão entre arte, técnica e mercado marca a profissão do arquiteto e a produção do projeto arquitetônico desde o Renascimento. Nesse sentido, este artigo pretende analisar o exercício da profissão do arquiteto e a relação que esta estabelece com o mercado de trabalho. Metodologicamente, o objeto de pesquisa foi constituído por depoimentos de arquitetos sobre experiências vividas no fazer arquitetura, ou melhor, no exercício de seus próprios trabalhos, profissão.
A hipótese norteadora da pesquisa que informa este trabalho reconhece que a tensão entre arte, técnica e mercado, se intensifica no contexto da difusão da informática e do conjunto de relações sócio-econômicas denominadas globalização. Esse fenômeno implica, entre outras coisas, na intensificação da concorrência em um mercado cada vez mais competitivo.
Para tanto, foram analisados 91 exemplares da revista AU – Arquitetura e Urbanismo, publicada pela Editora Pini, no período de
Compreender os processos e relações sociais no trabalho constituiu o objetivo maior das duas pesquisas que se complementam.
Neste texto, a análise do objeto desenvolve-se a partir dos seguintes aspectos:
- histórico da organização do trabalho do arquiteto;
- processo de produção do projeto arquitetônico;
- informatização do processo de produção do projeto arquitetônico; e
- novas formas de organização das relações de trabalho.
Histórico da organização do trabalho do arquiteto
As formas e técnicas de elaboração do projeto passaram por mudanças desde o Renascimento, momento histórico que marca o nascimento da concepção moderna da profissão. Na Idade Média, a classificação tradicional entre artes liberais e artes mecânicas não permitia diferenciar os artistas, arquitetos-pintores ou arquitetos- escultores, do mundo dos artesãos, dos trabalhadores manuais. [2]
A profissão do arquiteto começa a se organizar no século XIX. Na França, em 1843, é criada a “Société Centrale des Architects” com o objetivo de garantir a discussão sobre a necessidade de um diploma para por fim “aos inconvenientes da liberdade absoluta no exercício profissional”.[3] Essa discussão prolonga-se por muitos anos; em 1881 é também criada a associação de arquitetos diplomados - SADG- Sociètè de Architectes Diplomés par le Gouvernement - resultado de um movimento liderado por Julien Guadet, chefe de ateliê na Ecole des Beaux Arts de Paris. Preocupado em defender o interesse dos arquitetos com diploma, que naquele momento formavam uma restrita comunidade de 44 profissionais, ele motivou seus antigos alunos a se organizarem[4]. Essa nova sociedade discutirá o exercício profissional e, em 1892, obtém reconhecimento como sendo de utilidade pública. Apesar disso, os arquitetos eram de opinião que esse status não era suficiente, necessitando de um código para serem compreendidos como profissionais disciplinados e honrados: “por isso todos assinam uma adesão plena ao ‘Le Code Guadet’”.[5] Após esse momento, com a aprovação do primeiro código deontológico dos arquitetos, o processo de regulamentação da profissão na França se desenvolve durante todo o século XX, culminando com a promulgação da lei de 1977, última referência legal para a organização da profissão, naquele país.
A história da profissionalização do arquiteto no Brasil também se inscreve no decorrer do século XX. Compreendê-la requer recuperar o processo de consolidação das instituições de ensino, bem como a organização legal das instituições que regulam e representam esses profissionais, considerando sempre as mudanças ocorridas na sociedade brasileira em termos econômicos, sociais e políticos.[6]
Os primórdios do ensino da arquitetura no Brasil representavam uma especialização da engenharia. As primeiras turmas foram formadas pela Escola Politécnica de São Paulo (1899) e pela Faculdade de Engenharia do Instituto Mackenzie, a partir de
O processo de expansão da formação profissional do arquiteto é acompanhado pela multiplicação de instituições que regulamentam, controlam, fiscalizam e organizam o exercício profissional. O Instituto dos Arquitetos do Brasil foi criado em 1921, pouco mais de uma década da regulamentação da atividade profissional do arquiteto, em 1933 (Decreto Federal nº 23.569 - de 11 de dezembro de 1933). Desde então, somados aos engenheiros e agrônomos, constituem um único órgão legal fiscalizador do exercício profissional (Sistema CREA/CONFEA). Em 1971 é estabelecido o primeiro Código de Ética Profissional no Brasil, fortemente ainda influenciado pelo Código Guadet, no qual se inspira para determinar os parâmetros éticos da profissão do arquiteto no país.
No início dos anos 70, o governo militar investiu fortemente em obras de infraestrutura – barragens, estradas, metro, etc. – o que propiciou a criação de grandes empresas de consultoria, a maior parte delas no sudeste, as quais se transformaram nas maiores empregadoras de engenheiros e arquitetos. Algumas dessas empresas, tais como PROMON, HIDROSERVICE e THEMAG chegaram a empregar cerca de uma centena de arquitetos cada uma. Nestas circunstâncias houve um grande crescimento do número de profissionais assalariados, o que levou à criação do Sindicato dos Arquitetos do Brasil, reconhecido pelo Ministério do Trabalho em 1971[7], concretizando reivindicações da Associação Profissional dos Arquitetos – APA, fundada em 1968. No entanto, o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da RAIS – CAGED, informa que se trata de uma profissão exercida sobretudo de forma autônoma ou por conta própria, na qual menos de 10 % dos arquitetos estão inscritos no trabalho formal (com carteira assinada); entre eles 55% são mulheres, sobretudo na função pública ou na docência.
De acordo com dados fornecidos pelo CONFEA (2008), os arquitetos constituem um grupo formado por cerca de 130.000 profissionais.
Processo de produção do projeto arquitetônico
A arquitetura, tal como definida no dicionário, é a “arte de criar espaços organizados e animados, por meio do agenciamento urbano e da edificação, para abrigar os diferentes tipos de atividades humanas”[8]; e por arte, o mesmo autor compreende a “ atividade que supõe a criação de sensações ou de estados de espírito de caráter estético, carregados de vivência pessoal e profunda, podendo suscitar em outrem o desejo de prolongamento ou renovação”.[9]
Os arquitetos, em seus depoimentos e entrevistas, reafirmam o papel da arquitetura enquanto arte, que se concretiza na construção, tal como definido em dicionário.
"Se arquitetura é fundamentalmente arte, não o é, menos, fundamentalmente construção"[10] (Lucio Costa)
“O arquiteto é antes de tudo um artista”[11] (Artigas).
As formas e técnicas de elaboração do projeto vivenciaram mudanças desde o Renascimento, momento histórico que marca o nascimento da concepção moderna da profissão. A partir do século XV, com a aproximação entre as Belas Artes e as artes liberais, o arquiteto adquire o estatuto de intelectual e de artista. Nos séculos seguintes, os arquitetos fazem parte do mundo particular dos artistas; as instituições acadêmicas formadoras, nos séculos XVII e XVIII, identificam os arquitetos aproximando-os dos pintores e escultores.[12] As transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas na sociedade que se industrializou no século XIX, alteram as estruturas e relações até então vigentes. Inovações tecnológicas, desenvolvimento dos meios de informação, o crescimento das cidades são elementos que modificam a profissão do arquiteto.
Neste contexto, a prática da arquitetura se transforma, a dimensão tecnológica se sobrepõe à dimensão artística determinando que o arquiteto identificado ao artista passe a ser compreendido de forma negativa, pejorativa mesmo. “A imagem do criador solitário e maldito, face à sua folha ou à sua tela, coincide mal com a prática da arquitetura que coloca em relação, capitais, materiais e equipes de homens importantes. Essa contradição talvez explique o fato de que o arquiteto é compreendido negativamente pelo público do século XIX”.[13]
No entanto, a tensão entre arte e técnica se recoloca constantemente até a atualidade. São muitas as afirmações e reafirmações que recuperam a prática profissional do arquiteto como expressão de sua condição de artista.
Entretanto, o exercício profissional do arquiteto, se considerado tão somente na sua dimensão artística, conduz a polêmicas e contradições desde o século XIX, conforme já citado. Se, por um lado, o arquiteto é um profissional que vive de seu trabalho numa sociedade de mercado, necessitando de demanda pelos seus serviços; por outro, revela-se um artista que pretende fazer do resultado desse trabalho uma representação de seu tempo, como afirma Paulo Mendes da Rocha, “fazer arquitetura é estabelecer o desenho da contemporaneidade, desenhar edifícios para os homens de sua época. Modernidade,...”[14]
O exercício profissional do arquiteto se coloca na intersecção de três vertentes: arte, técnica e intenção. Os arquitetos, segundo os depoimentos, não abdicam da condição de artista, ao mesmo tempo em que se apropriam da técnica com duplo objetivo, tanto para criar abrigo para as atividades humanas, bem como para demonstrar intenções, anseios ou esperanças.
A informatização da produção do projeto arquitetônico
O processo de produção do projeto de arquitetura e as relações de trabalho no âmbito desta produção se modificaram nos últimos anos com a introdução das tecnologias derivadas da micro-eletrônica e o desenvolvimento de softwares específicos. Em apenas 15 anos (1985/2000) as pranchetas de desenho quase que desapareceram. No lugar delas ou mesmo sobre elas, encontram-se os computadores.
“Acho que hoje a tendência é que, inclusive com essas novas formas de trabalho, a mídia, a eletrônica, você tem uma “polinucleação”, uma multiplicação de pontos de trabalho e não necessariamente no mesmo lugar “[15].
Nos depoimentos levantados no percurso destes 15 anos (1985/2000) percebe-se claramente que o uso do computador no trabalho do arquiteto vai perdendo gradativamente o caráter polêmico dos primeiros momentos, elaborado entorno da sua eficiência e da qualificação do arquiteto; esse profissional é cada vez mais usuário das inovações tecnológicas que se difundem. O projeto desenhado com esta “nova lapiseira” deixa de ser novidade e passa a ser realidade, relacionada freqüentemente à racionalização do projeto e às exigências de mercado, construindo dessa forma maior possibilidade de competição.
No final dos anos noventa, os depoimentos levantam novas questões, diferentes das formuladas nos anos 80; partindo da compreensão que essa tecnologia está incorporada à produção do projeto, as discussões centram-se sobre quais equipamentos ou programas serão utilizados, sobre suas potencialidades e adequações.
Agilizar produção, racionalizar trabalho, otimizar tempos, reduzir tarefas manuais, são algumas possibilidades que os arquitetos irão detectando e reafirmando em seus depoimentos e entrevistas.
“desde 90, ou seja, de
Novas formas de organização das relações de trabalho
As entrevistas com os 31 arquitetos formados pela FAUUSP no período de
Os depoimentos mostram a importância da introdução da informática no processo de produção do projeto arquitetônico no que se refere a mudanças no processo de contratação do arquiteto, criando novas formas de organização das relações de trabalho.
,”... , porque não tinha o computador, então era muito raro esse tipo de coisa que hoje tem que você subcontrata ou contrata o recém formado para ajudar a desenvolver um projeto. Aliás, porque naquela época ainda não tinha essa “desmaterialização” dos escritórios,...” [17].
Dos 31 arquitetos entrevistados, 10% deles (2 mulheres e 1 homem) dedicam-se exclusivamente ao trabalho docente, em tempo integral, são professores da Universidade de São Paulo.
Os depoimentos desses 31 arquitetos mostraram que 23 (75%) deles se denominam autônomos, entretanto, ao longo das entrevistas percebe-se que entendem a condição de autônomo como uma situação de proprietários de pequenas empresas normalmente em associação com ex-colegas da universidade. Uma das estratégias de sobrevivência financeira dessa condição é trabalhar como professor universitário (39% deles), tanto em escola pública (em tempo parcial) como, principalmente, em escolas privadas. A condição de autônomo, conforme definido pela legislação, é compreendida onerosa pelos empregadores, freqüentemente também arquitetos, em função dos encargos resultantes, além de aumento da carga de serviços burocráticos do contratante. O fato dos arquitetos se estruturarem como pequenos empresários é, praticamente, uma exigência para que possam prestar serviços às empresas.
“Como eu trabalho muito para empresas,..., eles não gostam de trabalhar com autônomos, você tem mais encargos, INSS, enfim, para eles mais pesado em termos de impostos, né?! Então, eles não gostam muito de trabalhar com autônomos, então, eu tenho uma empresa paralela, e quando eu preciso, eu posso emitir uma nota fiscal da minha empresa, ...., porque os clientes exigem que você tenha uma estrutura, mas é basicamente informal, se eu tenho que pegar alguém para fazer levantamento métrico, é informal, a pessoa presta serviço pra mim, eu pago, mas é informal”[18]
A informalidade descrita acima é possível pela legislação vigente que permite que pequenas empresas não contabilizem suas despesas, possibilitando que os impostos resultantes do faturamento sejam calculados na condição de “lucro presumido”[19].
Esta é uma prática comum dos escritórios de arquitetura, conforme afirma um dos arquitetos entrevistados.
“Estagiário para nós nunca foi muito útil. O que a gente percebeu é que arquiteto recém-formado trabalha, se dedica. Não tem a faculdade pra competir com você e ele custa quase o mesmo que um estagiário.”[20]
O depoimento deste arquiteto informa contradições: quando questionado sobre o salário que pagava ao arquiteto-empregado afirma: “pagávamos o piso, a gente pagava bem”, sendo que o piso salarial[21] do arquiteto é mais elevado do que normalmente se paga a um estagiário. No entanto, quando questionado sobre o tipo de contratação estabelecida, afirma que o funcionário “não era registrado” e que o processo de contratação era na “...boca. Contrato de boca... Pagava salário, dava férias pra ele e pagava décimo terceiro, ta. Não era registrado. Não me senti em nenhum momento sendo desleal com ele.”[22].
No entanto, no mesmo depoimento, ressalta a ilegalidade dessa forma de contratação, ao se referir à sua própria vicência, no começo de sua experiência profissional:
“Trabalhei dois anos num outro arquiteto que foi comigo um calhorda, absolutamente um calhorda, mas nosso contrato era esse, ele me pagava e eu nunca pensei em entrar com causa trabalhista contra ele, acho que isso é sacanagem... se você não quer aceitar aquilo, não entre...”[23].
Em outro depoimento o arquiteto expressa preocupação com o problema e enfoca a questão como uma necessidade de revisão da legislação trabalhista.
“Bom, esse negócio da legislação trabalhista, acho que precisa ser atualizada. A gente nunca contratou ninguém por CLT, sempre foram empresas associadas à gente e eu acho que todo o mundo trabalha assim atualmente, não só no meio da arquitetura.... São prestadores de serviços. É uma maneira legal, talvez um pouco prejudicial ao país porque paga-se menos imposto, eu tenho a impressão, mas que mostra que a legislação precisa ser atualizada. E eu acho que essa forma de trabalho fluida aí, ela não apenas é cada vez mais possível pelos recursos de comunicação, de telecomunicações, mas necessária porque os tempos, agora, são muito mais rápidos. Então tem que ter muito mais agilidade para montar e desmontar equipes. Uma empresa que tenha todo o mundo contratado, até conseguir demitir todo o mundo já faliu, porque tem que dar aviso prévio... Quero dizer, a legislação está completamente caduca.”[24].
Somente uma das entrevistadas é registrada (CLT), trabalha em uma grande empresa, mas reconhece que se trata de uma situação diferençada, não comum no mercado de trabalho do arquiteto.
“Eu sou CLT, com registro
Os outros arquitetos que trabalham como assalariados estabelecem uma relação contratual, vulgarmente conhecida como “assalariado CNPJ”[26], o que nada mais é que um recurso que as empresas estão se apropriando no sentido não assumir os encargos ligados aos direitos vinculados ao trabalho, o depoimento abaixo mostra claramente esse processo.
“ Hoje, basicamente eu sou informal, ... no escritório eu tinha toda aquela coisa, eu era registrada, depois isso mudou, eu senti isso enquanto eu estava lá no (escritório X), a gente passou do regime CLT, de carteira assinada, nós passamos também a ser autônomos dentro do escritório, nós éramos terceirizados dentro do escritório, porque o escritório não conseguia mais arcar com todos os encargos, ficaram muito pesados, e hoje, como autônoma, eu sou praticamente informal”[27].
Dos arquitetos entrevistados, quatro (13%) informa que se inscrevem nessa situação, de “assalariado CNPJ”. Reconhecem a precariedade da situação, mas não conseguem perceber outra perspectiva de trabalho, como se constata nos depoimentos abaixo:
“...,dentro do mercado que a gente trabalha, ..., eu acho que tá cada vez mais difícil, a remuneração é cada vez pior, acho que cada vez tem menos suporte pro empregado, você ser registrado é cada vez mais difícil, ter todos os benefícios, não é um mercado fácil”
“ ..., eu posso definir minha situação como “falso autônomo”. Sou empregado aqui na (escritório Y) Arquitetura, e a(Y) é uma empresa que atua em diversas áreas de projetos de arquitetura.....Bem, eu acredito que as vantagens de ser empregado é você poder ter uma situação financeira estável, como por exemplo, salário, férias e décimo terceiro. Mesmo não sendo registrado, essas garantias foram combinadas com o empregador. E nesse ponto há vantagens tanto para mim quanto para o meu patrão, pois desta forma alivia a carga tributária. É complicado dizer que só existem vantagens. Eu acho, com certeza, que existem desvantagens, com certeza. A principal delas é ter que criar outras formas de comprovação de renda. Para, por exemplo, poder fazer uma declaração do imposto de renda. Neste caso, eu tive que me associar a uma empresa de um amigo para ter os comprovantes de rendimento”[28].
Outra forma de contratação dissimulada tem sido recorrente nos últimos anos, é a transformação dos empregados em sócios, um procedimento adotado pelos advogados já há algum tempo e que aparece numa das entrevistas: ”...é muito comum hoje que os escritórios sejam “arquitetos associados”. Essa é a configuração mais pertencente ao nosso período aqui em São Paulo.”[29]
As entrevistas realizadas mostram que as novas formas de organização da produção do projeto arquitetônico têm levado a uma precarização das relações de trabalho do arquiteto, tais como: o falso autônomo, o arquiteto empregado elevado à condição de sócio da empresa, o arquiteto que cria uma empresa para poder ser assalariado CNPJ, ou mesmo o arquiteto que trabalha como empregado numa relação informal, sem qualquer vínculo, o “contrato de boca” tal como definido num dos depoimentos.
Considerações Finais
Os depoimentos assinalados mostram que nos anos
O grupo dos 31 profissionais entrevistados pertence à geração que não participou daquele processo de fortalecimento dos vínculos formais de trabalho e se inseriram no mercado após a informatização do processo de produção do projeto.
Nesse contexto é iniciado o processo de desaparecimento do projetista[30], substituídos que são pelos estagiários das escolas de arquitetura[31], ou mesmo, por arquitetos recém formados, os quais já dominam as técnicas exigidas pela produção informatizada. Desta forma, no exercício da profissão é observado a expansão do número de portadores de diploma de arquitetura e urbanismo, no ensino superior, mas sua desvalorização relativa. Os recém formados serão “projetistas”, sem acesso aos direitos trabalhistas que àqueles eram garantidos. Cabe aqui ressaltar que a partir desse período, a formação em arquitetura passa a ser cursada, cada vez mais, por mulheres. Este é um objeto de pesquisa para futuras investigações.
Retomando a questão anterior, mesmo que um dos entrevistados afirme que “estagiário para nós nunca foi útil”[32], essa afirmação precisa ser polemizada, posto que, o número de alunos que obrigatoriamente fazem estágio é muito grande considerando que, somente na região metropolitana de São Paulo, cerca de 20 cursos de arquitetura e urbanismo demandam estágios obrigatórios.
Os arquitetos, na medida em que diminuem as possibilidades de trabalho em grandes empresas de projeto, passam a trabalhar como autônomos ou como falso autônomos, ou seja, empregados considerados “prestadores de serviços”, ocultos sob a forma de “empresas”, nas quais, para serem empregados assumem a falsa condição de proprietários de seus próprios negócios.
Muitos arquitetos, na impossibilidade de ter seu próprio escritório como profissional autônomo, se transformam em pequena empresa, muitas vezes associando-se a um colega (empresa uni profissional) ou a um outro tipo de profissional (empresa pluri profissional). Tal situação é criada pela legislação brasileira que onera o trabalho autônomo e facilita a retenção de impostos de pequenas empresas, criando condições menos onerosas. Mesmo na situação de pequenos empresários, os arquitetos, na maioria das vezes criam empresas com colegas de mesma profissão, por ser a forma de se ter menos despesas tributárias. São este espaços de trabalho, atualmente predominantes na produção do projeto arquitetônico, é que tem precarizado as relações de trabalho do arquiteto.
Dos 31 arquitetos entrevistados somente um deles, uma mulher, tem contrato de trabalho conforme a CLT – Consolidação da Legislação Trabalhista, informando que tal situação se configura por se tratar de uma grande empresa. Desse conjunto de profissionais, outros 3 (três) deles, professores de universidades públicas, são contratados pelo Estatuto do Funcionalismo Público.
As condições de precarização do trabalho do arquiteto se configuram quando:
- o empregado é um profissional autônomo, sendo que, de fato é um empregado com posto de trabalho no espaço do empregador, com horário definido e sujeito às orientações do empregador.
- o empregado é, como costumeiramente chamado, um falso autônomo, ou ainda o empregado CNPJ, ou seja, para que possa ser empregado (com posto de trabalho no espaço do empregador, com horário definido e sujeito às orientações do empregador) precisou criar um empresa, conforme informam 13% dos entrevistados.
- o empregado, que embora continuando com as tarefas típicas de um empregado, passa a ser sócio da empresa com participação minoritária.
- o empregado não tem qualquer vínculo com o empregador, ou seja, não se encaixa em nenhuma das condições anteriores, é o contrato de boca, conforme informado por um dos arquitetos entrevistado.
Dessa forma, a multiplicação de arquitetos autônomos e pequenos empresários oculta a multiplicação de arquitetos com relações de trabalho precarizadas, sem acesso aos direitos sociais ligados ao trabalho, garantidos pela legislação brasileira.
Bibliografia
ARTIGAS, João B.V.- Arquitetura, política e paixão, a obra de um humanista – Entrevista- (texto de Livia Alvares Pedreira) AU, ano 1, jan.85, nº 1, pag. 23
BONNIER, Louis – La fondation de
CUFF, Dana – Architecture: The story of practice-
DURAND, José Carlos Garcia. A profissão do arquiteto (estudo sociológico). Tese de mestrado apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia da 5a. Região (Guanabara), novembro de 1972.
_________________________. Arte, privilégio e distinção Artes Plásticas, Arquitetura e Classe Dirigente no Brasil, 1855/ 1985. São Paulo: Editora Perspectiva: Editora da Universidade de São Paulo, 1989.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda – Novo Aurélio século XXI – o dicionário da língua portuguesa- 3ª edição.- Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999
JAQUES, Annie –
SABBAG, Hayfa Y. - A beleza de um trabalho precursor, síntese da tradição e da modernidade - AU, ano 1, jan.85, nº 1, pag. 15.
_________________. – Revisão e autocrítica - AU, ano 2, fev.86, nº 4, pág. 21.
SEGNINI, Francisco – Prática Profissional do Arquiteto em Discussão, Tese de Doutorado, FAUUSP, 2002.
[1] SEGNINI, Francisco – Prática Profissional do Arquiteto em Discussão, Tese de Doutorado, FAUUSP, 2002. - O objetivo dessa tese foi analisar a prática profissional do arquiteto e a relação que a produção do projeto arquitetônico, entendido como expressão da arte e da técnica, estabelece com o mercado. O objeto analisado é constituído por depoimentos e entrevistas de 206 arquitetos selecionados em 91 exemplares da Revista AU – Arquitetura e Urbanismo, no período de
[2] JAQUES, Annie –
[3] BONNIER, Louis – La fondation de
[4] Id. Ibid. , pág. 291
[5] Id. Ibid. loc. cit.
[6] DURAND, José Carlos Garcia. A profissão do arquiteto (estudo sociológico). Tese de mestrado apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia da 5a. Região (Guanabara), novembro de 1972.
DURAND, José Carlos Garcia. Arte, privilégio e distinção Artes Plásticas, Arquitetura e Classe Dirigente no Brasil, 1855/ 1985. São Paulo: Editora Perspectiva: Editora da Universidade de São Paulo, 1989. As análises pioneiras realizadas por Durand a respeito da profissão do arquiteto como objeto de análise sociológica contribuem para a compreensão dos objetivos desse trabalho, mesmo considerando que a singularidade do mesmo está na sua abordagem construída a partir da representação que os arquitetos elaboram sobre a prática profissional que desenvolvem. Nesse sentido, o referencial teórico que possibilita a análise desse objeto é construído, sobretudo, a partir desse campo de trabalho e reflexão.
Notas
[7] Com a formação do Sindicato chegou-se, por algum tempo, até a discutir dissídio coletivo para reajustes salariais dos arquitetos
[8] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda – Novo Aurélio século XXI – o dicionário da língua portuguesa- 3ª edição.- Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999
[9] Id. Ibid.
[10] SABBAG, Hayfa Y. - A beleza de um trabalho precursor, síntese da tradição e da modernidade - AU, ano 1, jan.85, nº 1, pag. 15.
[11] ARTIGAS, João B.V.- Arquitetura, política e paixão, a obra de um humanista – Entrevista- (texto de Livia Alvares Pedreira) AU, ano 1, jan.85, nº 1, pag. 23
[12] Id. Ibid. loc. cit.
[13] Id. Ibid. pág.7
[14] SABBAG, Haifa Y. – Revisão e autocrítica - AU, ano 2, fev.86, nº 4, pág. 21.
[15] Depoimento arquiteto 1 – Pesquisa complementar.
[16] Id Ibid
[17] Depoimento arquiteto 1 – pesquisa complementar
[18] Depoimento arquiteto 2 – Pesquisa complementar
[19] Lucro presumido – significa que os impostos decorrentes do faturamento de uma empresa sejam calculados sobre a alíquota de 32% do valor do faturamento bruto, sem levar em conta e nem necessidade de registro de despesas.
[20] Depoimento arquiteto 7 – pesquisa complementar
[21] As profissões ligadas ao CREA – Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia tem piso salarial garantido por legislação federal. O pisos salarial é de 10 salários mínimos para uma jornada de 8 horas diárias ou 40 horas semanais.
[22] Depoimento arquiteto 7 – pesquisa complementar
[23] Id. Ibid.
[24] Id. Ibid.
[25] Depoimento arquiteto 5 – pesquisa complementar
[26] Essa condição de trabalho é também conhecida como “falso autônomo”. Trata-se de um empregado que trabalha nas dependências da empresa e está sujeito a horários pré-definidos. CNPJ é a sigla de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, ou seja significa a existência de uma empresa.
[27] Depoimento arquiteto 2 – Pesquisa complementar
[28] Depoimento arquiteto 4 – pesquisa complementar
[29] Depoimento arquiteto 3 – pesquisa complementar
[30] A presença dos projetistas nos escritórios de arquitetura era uma constante. Eram profissionais de nível técnico, inicialmente desenhistas, que adquiriam, por meio da experiência acumulada, grande conhecimento sobre os processos de desenvolvimento e detalhamento do projeto arquitetônico. Esses profissionais eram, normalmente, empregados assalariados com salários relevantes, na medida em que dominavam a técnica do desenho, além do conhecimento específico referente aos conteúdos dos projetos.
[31] Com o crescimento do número de cursos de arquitetura e urbanismo a partir dos anos 70 e com grande ênfase nos anos 80, o Ministério de Educação (MEC), por meio da Portaria 1770 datada de 1994, orienta a existência do estágio obrigatório para obtenção do diploma.
[32] Depoimento arquiteto 7 – Pesquisa complementar