No final de novembro deste ano foi lançado o livro - Arquitetura e Mercado Imobiliário - organizado por Heliana Comim Vargas e Cristina Pereira de Araujo.
Convidado pela Profa. Heliana, tive o prazer de escrever o prefácio o qual encontra-se abaixo
Prefácio
O
conjunto de textos que compõe este livro analisa a relação entre produção
imobiliária para mercado e arquitetura. Inaugura uma discussão oportuna no
momento em que a arquitetura, enquanto edificação se transforma em um negócio
em detrimento das necessidades do usuário. O objetivo do empreendimento
imobiliário é o lucro e a arquitetura um produto a ser comercializado, uma
mercadoria inserida na lógica capitalista.
Este
livro problematiza os principais aspectos que envolvem essa produção, desde o
momento em que o cliente deixa de ser o usuário do espaço a ser edificado e a
demanda passa a ser orientada pelo marketing e seus agentes. Para o incorporador,
principal agente imobiliário, seu negócio é o empreendimento na perspectiva da
obtenção do maior lucro possível. Nesse sentido, cabe a ele, incorporador,
definir o construtor, o projeto arquitetônico e os padrões de projeto; conhece
o mercado em que atua e orienta o arquiteto com precisão em relação ao produto
mais vendável na localização pretendida.
Todos
os aspectos que envolvem a incorporação de um empreendimento são abordados
neste trabalho. Os diferentes capítulos discutem os problemas relativos à
localização, à legislação edilícia, aos programas de interesse do mercado, além
das políticas públicas que propiciam investimentos nas áreas denominadas de
interesse social.
A produção da edificação para mercado ao se tornar
mercadoria apresenta todas as contradições do processo de produção capitalista.
A tensão entre arte, técnica e mercado marca a profissão do arquiteto e a
produção do projeto arquitetônico, desde o renascimento. Neste momento histórico
se intensifica, principalmente, na produção para o mercado imobiliário. Dessa
forma, a afirmação de Louis Sullivan - a forma segue a função – pode ser
substituída por - a forma segue a função e o lucro - como afirma David Harvey.
Observa-se,
então, discrepâncias entre o que o arquiteto entende como projeto arquitetônico
de qualidade e como o incorporador percebe o projeto. O arquiteto procura, por
meio de sua produção, um projeto cujo resultado expresse uma contribuição
cultural ao momento histórico a que pertence, atendendo às necessidades do
usuário e contribuindo para a produção do conhecimento. A arquitetura expressa
um determinado momento histórico.
O
incorporador compreende a produção do projeto arquitetônico como parte de seu
negócio, procurando imprimir a maior liquidez possível ao seu investimento. O
incorporador precisa controlar todos os riscos do empreendimento que desenvolve
e uma forma de controlar riscos é centralizar trabalhos terceirizados em
fornecedores com experiência no ramo e em quem confia.
Nessa
perspectiva, observa-se também que o projeto arquitetônico e seus
complementares deixam de ser gerido pelo seu autor. Todos os projetos
complementares são elaborados por profissionais indicados pelo incorporador. A
coordenação ou o gerenciamento desses trabalhos é, normalmente, executado por outro
profissional – engenheiro ou arquiteto – também contratado pelo incorporador. Os
projetos complementares atualmente recebem a denominação de disciplinas. O
resultado é o fracionamento do projeto, na medida em que sofre diferentes tipos
de interferências. Por exemplo, há algum tempo, um edifício em construção na
Av. Paulista, em São Paulo, apresentava duas placas de autoria, uma delas
indicava um arquiteto como autor do projeto e um segundo arquiteto como autor
da fachada. A unidade projetual é destruída, criando novos profissionais, tais
como, gerenciadores, coordenadores de projetos, projetista de esquadrias,
projetista de fachadas, projetistas de alvenarias, além de outros.
O corretor
de imóveis interfere de maneira contundente nas campanhas publicitárias. David
Harvey se refere a esse profissional como coordenador passivo do mercado. O
marketing para venda é mais importante que o projeto. O custo de uma campanha
varia entre 3 a 6% do VGV – Valor Geral de Vendas, que corresponde,
frequentemente, a seis vezes mais do que o valor do projeto praticado pelo
mercado.
A
arquitetura é, nesse contexto, mais uma mercadoria, e o arquiteto, um
“profissional”, no sentido atribuído por Quaroni quando afirma que “o
projetista não está culturalmente interessado na produção do projeto
arquitetônico, seja porque somente está comprometido profissionalmente – quer
dizer, para obter o máximo resultado econômico com o mínimo esforço – seja
porque está integrado e de acordo com um processo de projeto dominado pelo
capital, público ou privado, que trata de reduzir ao mínimo os desperdícios e
os riscos, atuando assim com a lógica do profissional puro”.
Nessa mesma direção se coloca Portzamparc quando afirma que a
lógica da sociedade tecnicista
fraciona o real em campos de competência, criando, muitas vezes, situações
contraditórias, mesmo assim, essa lógica avança, pois ela minimiza as incertezas.
Toda a lógica produtiva parece excluir a arquitetura ou incorporá-la enquanto
mercadoria.
A discussão
proposta por Heliana Comin Vargas e Cristina Pereira de Araujo analisa a maior
parte dos aspectos que envolve a produção da arquitetura para mercado,
apropriando-se da história da produção imobiliária desde 1870. Para iluminar o
presente discute o significado do processo de certificação das edificações e
suas implicações no projeto, aspecto que atualmente tem permeado a produção
arquitetônica para mercado em função de seu grande apelo mercadológico.
Os textos vão
além das relações entre arquitetura e habitação, discutem a participação do
arquiteto enquanto profissional nesse contexto, incorporando e discutindo empreendimentos,
tais como shopping - centers, hotéis
e edificações de uso múltiplo.